30 setembro, 2006

Viver a História

Eis que chegou a minha vez! Pois bem, o meu nome é Franziskaner. Sou o Degredo mais antigo que é conhecido, porque fui eu o descobridor do Degredo.


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Sim, agora que já tenho net aqui em cima, vim a descobrir que uns quinhentos anos depois de eu morrer fundaram uma companhia de cervejas com o meu nome! Não é absolutamente engraçado? Vieram buscar a ideia à história da minha vida! O problema é que é alemã e aqui em cima só servem Super Bock. Mas pronto.

Bem, mas eu tenho de falar do que eu sou, e da minha relação com o Degredo. Eu diria que eu sou uma relação com o Degredo, na medida em que eu passei a vida a descobri-lo; assim eu me declaro um puro Degredo. Estas maltas jovens não sabem o que dizem. Reconheço os seus poderes, mas sejamos francos para connosco, eles ainda estão muito verdes. A Trilogia ainda tem muito para aprender, e como alega que tem muito para ensinar, concluímos que o Degredo é um assunto muito vasto.

Mas como me dei eu ao Degredo? Numa altura em que todos andavam para aqui e para lá a descobrir novos mundos, eu descobria um novo mundo dentro de mim. Sim, é estranho, mas o mundo é um lugar deveras degradante quando quer.

Todos os ensinamentos dos meus companheiros naquele castelo eram dedicados às ciências, à alquimia, à história e à filosofia. Porém, eu não gostava muito delas. Tive de as aprender e saber ensiná-las, mas havia algo mais. Alguma coisa me puxava, e eu não sabia bem o que era, porém, alguma coisa era de certeza que me andava a fazer cócegas na cabeça. Vim a saber mais tarde que era o Degredo, ora pois claro, mas na altura eu estava completamente a leste de tal.

Um dia, meus amigos, os inimigos atacam! Muitíssimos inimigos, milhões de inimigos, inimigos com armas de fogo, inimigos com espadas, inimigos com canhões, inimigos a fazer o pino, inimigos a verem os inimigos, inimigos a jogarem às cartas à espera da sua vez de atacarem.

O castelo bateu-se furiosamente, as portas resistiram durante semanas, os nossos poucos bravos mas bons fizeram os possíveis e os impossíveis e conseguiram mandar alguns inimigos para a inimigolândia.

Mas era um caso perdido. A certa altura apercebi-me de que nunca iríamos ganhar aquela guerra, quando um colega meu me disse “Nunca vamos ganhar esta guerra”. Aí eu tive uma gloriosa e luminosa ideia. Assim que a contei ao nosso Rei, ele disse-me:

“Mas que degredo.”

E foi aí que eu me apercebi da genialidade da minha ideia. Fui a correr, quer dizer, fui a passo, porque andar de chinelas é chato, ficamos cheios de calos, bem, fui até às adegas reais e contei as pipas de cerveja que para lá estavam. Ninguém tinha autorização de as beber em tempo de guerra, a não ser o rei e todos os que quisessem entrar lá à socapa, mas pronto. Chamei uns amigos meus, que me disseram:

“Ei, Franzy, que tas para aí a fazer?”

E eu contei-lhes ao ouvido a minha ideia miraculosa. E eles:

“Isso é tão degradante que é capaz de funcionar.”

E eu, mais radiante ainda, mesmo no meio de uma guerra, comecei a trabalhar na minha ideia. Provavelmente, vocês, simples humanos e humanas que estão a ler os meus escritos numa das vossas línguas, em Espanhol, quer dizer, em Português, perguntam-se, o que raio terá Franziskaner feito para deter o inimigo.

“O que raio terá Franziskaner feito para deter o inimigo?”

E eu respondo-vos, meus amigos… Eu e os meus amigos pusemo-nos dentro de uma pipa de cerveja, é claro que estava vazia, senão morríamos afogados, e pedimos a outros amigos nossos que nos pusessem, juntamente com todas as outras pipas de cerveja, em frente ao portão do castelo, do lado de dentro, e que depois abrissem as portas e nos deixassem sair, dando lanço para que as pipas rolassem até ao meio do território do Inimigo.

Eles assim fizeram, logo após terem aberto o portão, e nós rolámos, meu deus, ai se rolámos, nem vos conto as posições em que eu e os meus colegas ficámos enquanto a pipa em que estávamos rolava. Um dos meus colegas até gostou, mas não falemos mais nisso, porque eu não gostei muito.

Como o castelo fica no cimo de um ligeiro monte, as pipas rolaram umas boas dezenas de metros até de imobilizarem no campo exterior à fortificação. São de madeira rija, por isso não se desconjuntaram. Quando os inimigos que estavam próximos se começaram a aproximar, eu inspirei fundo e bati na madeira, a partir do lado de dentro. Eles ouviram, do lado de fora, um “Toc, Toc” e começaram a olhar entre si. Estaria ali dentro alguém? Por esta altura já estava eu a desapertar as trancas que fizera no lado de dentro para poder abrir a tampa da pipa, e saí. Os meus colegas acompanharam-me. Olhei em volta.

O castelo estava ligeiramente longe. À nossa volta estavam quatro ou cinco pipas, uma outra rolou até lá adiante, outra, ao rolar, levou consigo três ou quatro inimigos, bem, foi de morte santa, e uma outra ainda parara mesmo lá ao fundo, no centro do acampamento provisório do Inimigo. Eu sorri para mim mesmo, e comecei a pensar qual era o passo seguinte do meu plano. Pensei rápido, porque chegou um Inimigo chamado Horácio, que por acaso até era o Rei do Inimigo, e disse:

“Porque é que vocês saíram?”

E eu, calmamente, respondi,

“Fomos expulsos. Achavam que andávamos a beber demais da excelente cerveja de Sua Majestade, e resolveram cortar o mal pela raiz.”

“Porque é que não vos chacinaram, então?”

“Eles confiam em vós para o fazer. Afinal de contas, também se libertaram de toda a cerveja real para que os guerreiros não se distraiam. Percebe, é que são cervejas de elevada qualidade, e estas alturas não são adequadas para beber. Sabe, é que apanharam-nos dentro de esta pipa, a beber consoladamente, e tiveram, mas não diga a ninguém, tiveram ciúmes.”

“Ciúmes?”

“Sim, porque nós bebemos toda a cerveja dentro desta pipa e eles não o podem fazer agora. Bem, senhor inimigo…”

“Chame-me Horácio.”

“Senhor Horácio, então muito bom dia, acabe connosco lá, mas não se esqueça de se desfazer da cerveja em seguida, porque pode transformar os seus valentes soldados em bebedores e isso arriscá-lo-ia a perder a guerra.”

“Mas de que é que você está a falar! Como pensa que eu o iria chacinar? Inimigos do meu inimigo meus amigos são! Como se chama?”

“Franziskaner, mas os meus amigos chamam-me Franzy.”

“Franzy, fique connosco, afinal, você nem armado está, como iria eu suspeitar de si? Bem, e antes de mais, antes de destruir a cerveja, vamos prová-la, afinal, é um desperdício deitar fora cerveja tão bem recomendada sem provar um bocadinho.”

“Oh, mas esteja à vontade, que a cerveja nem é minha!”

“Mas venha comigo, bebamos juntos, a guerra ainda é uma criança e temos de nos aquecer por dentro de qualquer maneira.”

Hóracio bebeu, e deu um copo ao seu subordinado, que deu um copo ao seu colega, que também presenteou o mestre-de-armas com outro copinho, e este repartiu-o com o sargento da artilharia, que foi buscar um copinho para o capitão da infantaria que também elogiou a cerveja e regalou cada um dos seus sobreviventes heróis com um copinho, mais um, mais um. Eu olhei-os, e bebi com eles, afinal, é uma alegria quando fazemos amigos novos, mesmo que eles sejam do Inimigo. Horácio gostou muito da cerveja, e quis beber mais um bocadinho, e mais um traguinho, e só mais uma pinguinha, e mais uminha.

Pela noite, estavam todos deitados no chão a ressonar, todos menos eu, caramba, até os meus colegas beberam. Que Degredo. Bem, estando o inimigo todo a sonhar, fui bater à porta do meu castelo, deixaram-me entrar, fui ter com o Rei e perguntei-lhe,

“Senhor, visto nós sermos, em número, menos de um vigésimo do inimigo, sugiro retirarmo-nos para o seu castelo de campo.”

Ao que me disse o senhor,

“Explica o que se passou e dá-me razões para sairmos daqui com vida, com as mulheres e crianças à mão e com mantimentos para sobrevivermos até ao destino”

E eu expliquei,

“Senhor, Horácio bebeu à sua saúde e agora está a dormir. Podemos passar sem o incomodar.”

“Mas o teu plano degradante foi bem sucedido, Franziskaner?”

“Se foi, alteza.”

E FOI ASSIM, que a história do Degredo começou, vejam só, como eu, usando os meus recém-descobertos poderes, pude adormecer o Inimigo. Isto, meus amigos, é nada mais nada menos que o puro Degredo, o poder da amizade, o poder da brincadeira e da sublime maneira de pensar da forma mais simples.

Ao passarmos pelo inimigo, pintei um bigode na cara de Horácio, que dormia profundamente agarrado à sua caneca de cerveja, e acordei os meus amigos, que tinha deixado lá a dormir, e pusemo-nos a andar. Aposto que o Horácio, quando acordou, se sentiu tão humilhado que nem se apoderou do castelo nem nada.

Que belas recordações. O Degredo em todo o seu poder.

FRANZISKANER