07 dezembro, 2006

Fazendo As Malas

Quaere verum. Procura a verdade. É precisamente o que eu estou a fazer, e esta pesquisa incessante pela verdade fez-me entender que ela não está cá em cima. Nem por sombras, e como quidquid latine dictum sit, altum videtur (qualquer coisa dita em latim soa profunda), digo sem medo que quinon proficit deficit, ou seja, quem não avança, anda para trás. E eu sinto-me a andar para trás na minha doutrina, mas não por muito tempo, podem marcar as minhas palavras, Franziskaner voltará a pisar terra firme.

Estou a planear uma fuga do Além. Suponho que quem ler isto se comece a interrogar; será que é possível a Alguém fugir com sucesso do Além? Bem, creio que há uma primeira vez para tudo, e eu vou ser o primeiro a consegui-lo. O palhaço do Deus Pai nem suspeita… incompetente… porque os meus pensamentos apenas sobrevivem no lado Degredo do meu cérebro, o qual ele não pode pressentir com a sua mente omnisciente que só falha neste ramo, logo, tudo corre ainda como planeado. Só espero que ele não se dê ao trabalho de inspeccionar os blogs, na sua omnipotência tão… omnipotente.

Tenho lido os textos dos meus conterrâneos terrestres, e deixo aqui o meu incentivo aos mais recentes membros do Degredo, o Irmão Degredo, o Sétimo Degredo e o Honésio Degredo. Que se iniciem nesta religião com todo o apoio aqui do Franzy, e, obviamente, da Trilogia. Sejam bem-vindos ao lado divertido, ainda que sério, e sério, ainda que divertido, desta forma de pensar, ainda de viver, e de… ah, vocês perceberam.

Enquanto que o meu reprodutor de média do computador se ocupa com uma das rádios públicas portuguesas, eu olho pelo canto do olho para ver se alguém me vigia. Isto tem sido sempre assim. Já não tenho gosto em estar no Além. O Jesus foi de férias disfarçado de jamaicano, o arcanjo Gabriel foi fazer-lhe companhia com um papagaio das Caraíbas ao ombro, e, pelo que sei, o gajo só diz asneiras do bico para fora.

Aqui no céu, há muitas casas e os diversos aldeamentos cruzam-se e descruzam-se, os jardins confundem-se em estilos, criando maravilhas visuais que apenas se equiparam à imaginação. Já declarei aqui, uma vez, estar bastante aborrecido com tanta perfeição, sim, nem o Céu nem o Inferno são agradáveis, um demasiado perfeito, outro demasiado contrário à tal perfeição. Opus dei, sim, é a obra de Deus. Isto pelo que ouvi, claro, que nunca lá pus os pés, apenas imagino como seja.

Os meus vizinhos no corredor onde durmo são duas personagens bastante peculiares. Nem sei porque Deus Pai nos juntou a todos, porque eu não tenho mesmo nada sequer comparável com estas individualidades. Um deles chama-se Há Mais Nomes. Sim, este é o nome dele, e o dito cujo disse-me que, quando andava na escola…

“Toda a gente me chamava nomes.”

Ou seria Nomes? Isso não interessa muito neste momento. Só sei que o infeliz ficou com este nome tão fora do comum porque quando os seus pais o foram registar, disse o pai,

“O que lhe chamamos, Heim?”

E respondeu a mãe,

“Heim não, Há Mais Nomes.”

E assim ficou Há Mais Nomes. Poucas palavras o conseguem descrever. Os meus amigos repararão, porém, que talvez a única palavra que se aproxime da sua concepção seja mesmo Degredo, e com maiúscula. Ele pode-se situar no aborrecimento total da condição humana. Creio que era de tal forma um módulo, um exemplo e uma direcção no sentido do vago, do puro Nada, que Deus Pai resolveu aproximá-lo de si. Isto porque o Pai sabe bem o que quer.

Deus vobiscum. Que Deus esteja contigo. Ou não, digo eu. Mas voltemos ao nosso amiguinho repelente Há Mais Nomes, bem, muito tentei eu extrair deste homem, que é um misto de coisas absolutamente vazias e por definir. Era espantosa a forma como ele respondia a tudo o que eu lhe inquiria. Eu chegava mesmo até a interrogar todo o meu ser, e a minha capacidade lhe extrair respostas. Perguntava eu,

“Gostas da natureza, Há Mais Nomes?”

E dizia-me ele,

“Nunca me fez mal. Também não impediu que eu acabasse morto, por isso, estou-me um bocado nas tintas para ela.”

“Mas não aprecias tudo o que ela te deu enquanto vivo?”

“Eu sei lá. Do que eu me lembro dela, é que tinha era uns valentes pulmões.”

Aprendi a ter menos vontade de falar com o Há Mais Nomes. Está sempre com cara de enfastiado, entediado, burro da vida, de morte cerebral iminente, decadente em termos de tudo. É do género, eu digo-lhe,

“Isso vai?”

E ele,

“O que é que vai?”

E eu ficava com cara de estúpido, com um polegar levantado, e com um sorriso parvo, a fazer figura de urso durante um segundo que parecia uma eternidade. Aprendendo a todo o instante, e desenvolvendo a minha sapiência, calei-me.

Ah, claro, e ainda há o Latinista, que dorme num outro quarto, no mesmo corredor do Além que eu. Ele é dos gajos mais mortos que eu já vi. Se o outro era vazio de significado, este é morto. Isto porque tudo o que diz di-lo numa língua que… continua morta e bem morta. Um pouco como todos no Além e no Aquém, sim, mas mesmo esses não conseguem comunicar com uma língua morta. É que eu até sou um apreciador destas frases transmissoras de verdades universais, que nos descem desde os tempos e palavras de Platão, Cícero, Horácio, Séneca, entre muitos outros. Coisas simples e bem ditas, célebres e sensatas como, por exemplo, nos disse Darth Vader,

“Luke sum ipse patrem te.”

Mas não é que o Latinista, quando estávamos todos juntos para jantar, diz ao empregado,

“Da mihi sis crustum etruscum cum omnibus.”

E o empregado,

“Quem?”

E eu, que tive a felicidade de aprender latim entre os franciscanos, rio-me do meu amigo Latinista, e traduzo.

“Parece-me que ele quer uma pizza com tudo. O mesmo para mim, e uma cola para acompanhar.”

Aquele Latinista despertou o latim que há em mim outra vez. Não se nota? Raios partam quando o vício nos apanha desprevenidos. Sic, depois de muito investigar (aquele sic quer dizer portanto, não se trata de publicidade espalhafatosa), eu creio que Deus Pai, tendo pouca experiência neste ramo da Existência, citando o Degredo como foco principal, resolveu agrupar-nos para toda a eternidade. E só tenho vontade de lhe dizer bem na cara:

“Sabes que mais? Vai à stercus!”

Mas é claro que não o disse, porque eu é que não sou tolo. Pelo menos para já não o disse, e continuo, óbvia e secretamente, a congeminar o meu plano para me pôr na alheta. Rezem por mim, caros Degredo, e público em geral. Começo a entrever uma saída. Ad infinitum e mais além,

FRANZISKANER